Sexta, 22 de novembro de 2024
Política

01/03/2024 às 21h10

173

Redacao

Vila Velha / ES

Caminho livre para a Assembleia votar se livra Assumção da prisão
Bola agora está nos pés dos deputados. Como juiz que é, Moraes deu o apito inicial “que autoriza o jogo na Assembleia”, permitindo que os deputados realizem a votação para manter ou revogar a prisão do colega. Aliás, não apenas “permitindo”, mas determinando que a Assembleia decida se mantém bolsonarista na cadeia
Caminho livre para a Assembleia votar se livra Assumção da prisão
Deputados estaduais comemoram a eleição de Marcelo Santos para a presidência da Assembleia (01/02/2023). Crédito: Lucas S. Costa/Ales

Confirmando um movimento antecipado aqui nessa quinta-feira (29), a Assembleia Legislativa votará em sessão plenária, possivelmente já na próxima semana, se revoga a prisão do deputado estadual Capitão Assumção (PL), determinada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes em decisão de 20 de fevereiro e cumprida na noite da última quarta-feira (28). A bola agora está com os deputados.



Do ponto de vista legal, o caminho está desobstruído para isso. Na manhã da próxima segunda-feira (4), o presidente da Assembleia, Marcelo Santos (Podemos), realizará reunião com os outros 28 deputados que não estão presos e com a Procuradoria-Geral da Casa. Eles decidirão em conjunto como procederão para realizar essa inédita votação que terá o poder de reverter a decisão de Moraes e retirar da cadeia o capitão da reserva e principal representante da extrema direita bolsonarista no Legislativo Estadual desde 2019.



A nota enviada pela assessoria da Assembleia na manhã desta sexta-feira (1º) e assinada por Marcelo Santos contém uma informação crucial logo no início, pois é justamente o que “destrava o jogo” e “abre o caminho” para isso: o fato de que o STF notificou o Poder Legislativo Estadual oficialmente sobre o cumprimento do mandado de prisão do deputado e o horário dessa comunicação oficial:


“O presidente da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, deputado estadual Marcelo Santos, informa que, na noite de ontem (29.02), tomou conhecimento às 20h35, por meio de sua assessoria, que o STF enviou por e-mail às 19h28: i) despacho do ministro-relator; e ii) cópia da decisão que determinou a prisão preventiva” (grifo nosso).


Isso pode parecer um detalhe de menor relevância, mas é muito mais que isso: se o STF não tivesse comunicado oficialmente a Assembleia em tempo hábil, Assumção permaneceria preso preventivamente, por tempo indefinido, e não haveria nada, absolutamente nada, que os deputados estaduais pudessem fazer a respeito. A partir desta sexta, o único com o poder de libertá-lo, quando (e se) o quisesse, seria o próprio Moraes.


Como explicamos aqui, com base no artigo 53, § 2º, da Constituição Federal, espelhado pelo artigo 51, §2º, da Constituição Estadual, caso um parlamentar seja preso em flagrante por crime inafiançável, a casa legislativa à qual ele pertence (no caso concreto, a Assembleia) precisa decidir, em votação plenária, se mantém ou se revoga a prisão.


Mas atenção: para que essa votação possa ser realizada, é necessário que a autoridade responsável pela prisão remeta os autos à casa legislativa em questão em um prazo de até 24 horas. Do contrário, nada feito.


Eis o dispositivo constitucional, com grifo nosso:


Art. 53, § 2º – Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.


O artigo 51, § 2º, da Constituição Estadual diz exatamente o mesmo em relação aos deputados estaduais.


Portanto, no caso concreto, se Moraes não tivesse dado esse primeiro e imprescindível passo, a Assembleia ficaria de mãos atadas, sem poder apreciar a situação – muito menos cogitar reverter a prisão de Assumção em plenário.


Agora tudo muda de figura.


Oficiando a Assembleia, Moraes fez a bola sair de seus pés e rolar para os de Marcelo Santos, que, como presidente da Casa, é quem pode marcar a votação sobre o colega preso e incluí-la na ordem do dia.


Vale dizer que o ministro tem sido muito criticado justamente por concentrar superpoderes na condição de relator de inquéritos sigilosos como o das fake news, o dos atos antidemocráticos e o do 8 de janeiro, tomando uma série de decisões monocráticas no curso dessas investigações como mandados de busca e apreensão e de prisão preventiva, como é o caso de Assumção.


Desta vez, embora seja “o dono da bola”, ele deu o pontapé inicial que permite aos deputados entrar em campo para reverter o placar a favor de Assumção; ou melhor, como juiz que é, deu o apito que “autoriza o início do jogo na Assembleia”, permitindo que os deputados realizem a votação para manter ou revogar a prisão do colega. Aliás, não apenas “permitindo”, mas determinando isso.


A nota da Assembleia traz outra informação essencial: no despacho do STF para Marcelo Santos, o próprio Supremo instou a Casa de Leis a se posicionar sobre a prisão, em observância do artigo 53 da Constituição Federal (transcrito acima):


“Nos termos do próprio despacho do ministro-relator, a decisão foi encaminhada para os ‘fins do art. 53, § 2º da Constituição Federal, repetido no art. 51, § 2º da Constituição do Estadual do Espírito Santo’, que disciplina a competência da Assembleia Legislativa para que ‘pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão’”.


Assembleia vive momento inédito


Agora, Marcelo Santos vai se reunir com os deputados na segunda-feira de manhã para deliberar sobre a questão. A rigor, ele nem precisaria fazê-lo.


Aparentemente, o presidente deseja compartilhar com os demais a responsabilidade por uma decisão tão importante em um momento tão delicado, para que o agendamento da votação sobre o caso de Assumção seja uma decisão colegiada dos deputados, e não unilateral do presidente. Até porque a Assembleia passando por um momento nunca antes vivido. E o ineditismo de tudo vem a ser outro fator preponderante na extrema cautela com que o presidente quer tratar a questão.


Nunca antes os deputados estaduais do Espírito Santo precisaram decidir em plenário sobre a manutenção ou não da prisão de um dos seus pares detido por “ordem federal”, isto é, por determinação de um ministro da Suprema Corte. A História está sendo escrita, neste momento, pelos deputados e procuradores da Casa. Não há nem previsão regimental quanto aos procedimentos a serem adotados em um caso como este.


Tudo terá de ser feito pela primeira vez, mas não se pode e não se quer errar nos procedimentos. É preciso dar cada próximo passo dentro da legalidade e da maneira mais correta possível do ponto de vista jurídico, até para não dar brecha a futuras contestações judiciais. E esse extremo zelo salta dos termos da nota assinada por Marcelo:


“Considerando tratar-se de procedimento incomum na Ales, e por não constar qualquer disciplinamento em nosso Regimento Interno, determinei em caráter de urgência que a nossa Procuradoria-Geral dedique-se a analisar e orientar o procedimento que deve ser adotado e que será levado para o conhecimento dos demais deputados em reunião que ocorrerá na manhã da segunda-feira (04.03).”


Na prática, como funciona?


No entanto, a votação propriamente dita é singela. Dispensa convocação de sessão especial. O presidente simplesmente inclui na ordem do dia a votação sobre o caso de Assumção. O item pode ser incluído na pauta de uma sessão ordinária qualquer.


Os deputados devem votar de maneira aberta e nominal, pois não há, neste caso, nem previsão constitucional nem no Regimento Interno para que a votação seja secreta, tampouco determinação judicial nesse sentido.


Em primeira interpretação do texto constitucional, a prisão será revogada por maioria absoluta dos votos, se esse for o entendimento da “maioria de seus membros” (Art. 53, § 2º da CF), ou seja, se pelo menos 16 dos 30 deputados votarem assim.


Por que existe essa norma constitucional?


O “controle de prisão” exercido pelo Parlamento quando o preso em questão é um dos seus membros consiste em uma “regra de ouro” incluída pelos constituintes na Carta Magna de 1988 – ainda sob os ecos do arbítrio da ditadura militar (1964-1985) – e replicada pelos legisladores capixabas na Constituição Estadual de 1989, justamente a fim de garantir o equilíbrio entre os Poderes e conter eventuais excessos e decisões arbitrárias de um Poder sobre outro – neste caso, do Judiciário sobre o Legislativo.


Faz parte do sistema de freios e contrapesos vital ao Estado Democrático de Direito em que vivemos, consagrado no preâmbulo e no artigo 1º da Constituição Federal de 1988.


Prisão de Assumção atravessa eleição do próximo conselheiro do TCES


O inesperado momento da prisão de Assumção – de maneira extemporânea, mais de um ano após o MPES ter pedido a Moraes essa medida – acabou “atravessando” e se sobrepondo a outro processo importantíssimo que chega à reta final na Assembleia: a escolha do próximo conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCES), sucessor do recém-aposentado Sérgio Borges.


Conforme já “proclamamos” aqui, a vaga ficará com o secretário-chefe da Casa Civil, Davi Diniz (sem partido). A esta altura, nada a tira dele, que tende a ser inclusive o único candidato inscrito, com o apoio da esmagadora maioria do plenário.


Ocorre que o tema Assumção pode interferir no calendário da escolha do conselheiro e adiar um pouco a “consagração” de Davi.


Na noite de quarta-feira (28), Assumção foi preso. Na tarde de quinta-feira (29), Marcelo Santos inscreveu a candidatura de Davi, com a assinatura de outros 24 deputados.


Conforme o edital publicado por Marcelo na quarta (28) no Diário do Poder Legislativo, o prazo para inscrições termina às 10 horas da manhã da próxima segunda-feira (4), coincidindo agora com a reunião convocada por Marcelo com todos os deputados. Na reunião, eles tratarão do caso Assumção, mas também da eleição para o TCES.


O desejo inicial de Marcelo é realizar a eleição do TCES na sessão plenária de segunda-feira mesmo, às 15 horas. Nos termos do edital, baseado no Regimento Interno, a votação secreta para a escolha do conselheiro precisa ser realizada pelo plenário “no prazo de até três sessões ordinárias”, ou seja, até a sessão plenária marcada para as 9 horas da manhã de quarta-feira (6).


O martelo será batido na reunião dos deputados da manhã de segunda-feira. Pode ser que eles prefiram “inverter a pauta”: resolver a situação de Assumção antes de escolher o conselheiro do TCES. Nesse caso, se esse entendimento prevalecer, os deputados poderão votar a situação de Assumção em plenário na tarde de segunda mesmo ou na tarde de terça, durante sessão ordinária ou extraordinária, deixando a votação do TCES para o limite do prazo, na sessão de quarta de manhã.


Outra hipótese é a presidência da Casa decidir prorrogar o prazo para a inscrição de candidatos à vaga do TCES, se Marcelo precisar ganhar tempo. Tecnicamente, ele pode fazer isso. Mas, politicamente, seria um movimento bastante arriscado, pois assim poderia desandar tudo o que foi construído até agora em favor da eleição de Davi.


Se esse tema começar a ficar “contaminado” por pressões relacionadas à situação de Assumção, uma vaga que hoje está no colo do candidato do governo Casagrande corre o risco de começar a escorregar de suas mãos, então é bom não dar sopa ao azar.

FONTE: ES 360

Veja também
Facebook
© Copyright 2024 :: Todos os direitos reservados